Carta a um Amor - II

 
Minhas mãos mais uma vez te procuraram, como se pudessem acender estrelas em teu coração. Envolvido em tuas decisões, apenas pude intuir a escuridão das palavras, que prisioneiras, sufocavam o sol da tua alma. Fitava-te, e mesmo estando tão longe, ouvia a melodia de angústia que o teu coração tocava. Sequer desconfiei que seria a última vez...

Lembro-me, quando te conheci...Teus olhos não precisei ver, nem teu toque receber. Num primeiro momento, culpei o acaso...Momentos depois percebi que o acaso não poderia ser tão onipotente, para tamanho encanto reter por tanto tempo. Como ousaria te ocultar de mim?Como poderia o meu coração não apresentar ao teu? Quem sabe o destino não nos tinha traçado este encontro? Desisti das perguntas, porque quanto mais o relógio se apressava em me pedir explicações, mais eu desconhecia o passar do tempo, quando em ti, deixava-me ficar.Estava onde sempre quis e meu coração alívio me trazia, por dispensar as mais pomposas justificativas que a minha racionalidade teimava em elaborar. A partir de então, nos aliamos tão somente à emoção.Respirávamos juntos, porque como tantas vezes disseste, começamos a viver no dia em que nos conhecemos. Tínhamos as mesmas ânsias e nossos pés corriam por entre nuvens, desenhando sonhos, fazendo novas cores brotarem na paisagem até então outonal das nossas almas...Sorriam primaveras dos nossos lábios, quando se aproximava o momento de estarmos juntos. 

Frequentemente atropelávamos o tempo, por não ser possível pelo momento planejado esperar...Ah, reuniões desmarcadas, clientes esperando, o supermercado por fazer, contas por pagar, o sono para depois...
Havia entre nós uma cumplicidade que cintilava, mesmo que nossos olhos sequer se encontrassem. Eu apenas te sentia e tu me adivinhavas...E sempre havia em mim aquela sensação de oceano que do teu coração brotava.As ondas dos teus pensamentos confessavam-se, quando minha fragrância te era trazida pela brisa da manhã. Não importava o quão distante eu estivesse...Entre nós não existiam torres, estradas ou muros altos.Vestíamo-nos de ousadia, desafiando o convencional e nossos carinhos pareciam asas terem, enquanto o perfume do amor ia entranhando-se, sem que percebêssemos. Não sei precisar, em que momento sussurraste-me um acanhado “eu te amo”. Lembro-me apenas das letras rubras que coraram nas tuas mãos...Pareciam palavras que compareciam adolescentes ao primeiro encontro.

Por meses a fio, abandonamos alguns fantasmas que insistiam em assombrar nossa convivência...Já não nos questionávamos sobre o que era permitido ou possível. Éramos merecedores dos olhares de arco-íris que permaneciam estampados em nossas faces e dos desejos, somente pronunciáveis aos nossos ouvidos. Ríamos do prazer que nossos corpos sentiam e dos poderes que tínhamos um sobre o outro...Códigos foram estabelecidos, signos de amor criados e enfeitiçados brincávamos de nos surpreender. Havia sempre um fôlego extra para te fazer feliz...E teu coração percebia isto, porque a cada instante não se cansava de me querer mais.

Quando eu pensava que de ti tudo sabia, tuas mãos guiavam-me por novos caminhos...Ainda é nítido o som de espanto do teu riso, quando te aventuravas pelas curvas sinuosas dos meus desejos. Vivíamos no limiar do risco e gargalhávamos, quando em momentos seguintes nos recordávamos da nossa coragem...
Volto-me agora àquele dia...Meu coração reveste-se de brumas. Apenas te vi indo, quando à tarde também se despedia. Minhas lágrimas ainda te acenaram, enquanto teus olhos de oceano rugiam o teu desespero. O mundo parecia tenso e um vulcão em erupção derramava-se sobre nossos caminhos. De repente, no universo do “eu e tu”, havia uma superpopulação...Gritos gemiam de outras bocas, enquanto meu silêncio te falava da minha dor.
Naquele instante, em que teus passos me eram desconhecidos, tua voz ainda me acariciou com um último: “eu te amo...”.

© Fernanda Guimarães

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