Não sei por onde começar esta carta que já nasce atrasada, pensamos sempre que temos
muito a dizer mas as palavras são pouco amistosas, onde encontrá-las agora, às três e dez de uma madrugada em que me encontro
insone e pensando mais uma vez em você?
Você esperou por estas palavras por muitos meses, na
esperança de que elas aliviariam
a dor do seu coração, mas elas não vieram porque estavam
ocupadas vigiando meus impulsos, me impedindo de me abrir, e minha própria dor lhe pareceu
desatenção, eu que não durmo de tanta paixão congestionada, de tanto
desejo represado, de tão só que estou.
Meus motivos sempre lhe pareceram egoístas, e se eu lhe disser
que o descaso aparente foi na verdade uma atitude consciente para preservar você, me chamará de altruísta e não sairemos do mesmo
lugar.
Eu errei por não permitir que você me oferecesse seu afeto, eu errei ao
sobrevalorizar um risco imaginário, eu errei por achar que existem amores menores e maiores,
avaliados pelo tempo investido, pela contagem dos beijos, pelas ausências sentidas, por tudo
isto fui conduzido a um erro de cálculo.
Não te peço nada além de compreensão, e esta carta nem era
para pedir, mas para doar, eu que sempre me achei bom nessas coisas, o voluntário da paz, o boa-gente
oficial da minha turma.
Mas peço: lembre de mim como alguém que alcançou a mesma medida do seu
sentimento, a mesma profundidade das suas dúvidas, o mesmo embaraço diante da novidade, o
mesmo cansaço da luta, a mesma
saudade.
Do livro Cartas Extraviadas
(L&PM Editora - pág. 7)
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixe o seu Comentário